Aconteceu neste fim de semana a 43ª Corrida de Reis, em Brasília! O Evento contou com a participação de quase 12.000 corredores. Apesar da chuva que choveu (o pleonasmo vale pela quantidade de chuva), a linha de largada estava em festa, muitos participantes e muito público... mas muita água.
Mas como cheguei aqui?
Bem, duas semana antes, decidi solicitar minha inscrição na prova. Mas não queria correr, e sim participar com minha handbike. Tudo bem, handbike não é específica para provas de corrida, deveria ser utilizada em provas de ParaCiclismo. Não custava tentar...
Na verdade as inscrições haviam se encerrado pois não tinham mais vagas. Ainda assim, enviei uma correspondência eletrônica para a organização do evento com o seguinte pedido:
"Gostaria de participar de um evento tradicional de uma forma prazerosa, mostrando que a deficiência pode ser encarada de uma forma muito natural e que os instrumentos que os deficientes utilizam podem ser utilizados por qualquer um, com grande prazer e benefícios. A isso chamo de inclusão reversa."
Claro que expliquei que eu mesmo não era deficiente e que por esse motivo não iria concorrer à premiação (como se eu tivesse chance!). Apesar da demora na resposta, creio que eles devem ter refletido bastante sobre meu pedido, recebi uma afirmativa da organização faltando apenas 3 dias para a prova.

Por fim, fomos inscritos eu e minha handbike na categoria cadeirante, como eu acreditava que deveria ser...
Confesso que no dia quase desisti diante de tanta água, pois estava receoso em pedalar no chão molhado. Mas pouco antes da prova a chuva cessou e foi o suficiente para que eu saísse de casa rumo ao Estádio Mané Garrincha, local da largada. Ledo engano... Estacionei o carro, desci a handbike e enquanto me dirigia à área de aquecimento, a chuva voltou como sempre nesses últimos dias em Brasília. Tudo bem!
Enquanto aquecia, encontrei a campeã da São Silvestre, Aline Rocha. Fiquei muito feliz quando ela confirmou sua participação na prova, pois fui em quem, ao saber que ela estaria em Brasília no dia da Corrida de Reis, dei toda orientação para ela tentar a inscrição. Enfim, iríamos correr juntos.
Acredito que na ansiedade pela corrida eu cheguei um pouco mais cedo. E somente depois de cerca de 20 a 30 minutos que foram chegando outros cadeirantes e atletas da categoria adaptada (nossa largada seria 10 minutos antes da largada geral).
Em meio a todos que chegavam, eu era o cara novo! O atleta desconhecido... Sinceramente estava um tanto quanto desconfortável, com receio inclusive de mexer a perna ou me levantar e as pessoas da categoria adaptada questionarem minha participação. Fundamentalmente, temia não ser aceito! Parece loucura, mas era uma preocupação real: não ser aceito por aqueles que sentem-se rejeitados em diversas situações.
E assim, eu ficava era quietinho, até mesmo evitando as pessoas. Mas Aline, que ficou perto de mim esse tempo todo, e já era conhecida de muitos por participar dos Circuitos Caixa, rapidamente me apresentava como um "atleta genérico", quebrando qualquer clima que pudesse haver. E no meio dessa galera eu me diverti até o momento da largada.
Quando entramos na área de largada qual foi a minha surpresa ao me deparar com dois atletas do rugby em cadeira de rodas (BSB Quad Rugby), com suas cadeiras de rugby. Para quem não sabe, uma cadeira dessas pode pesar cerca de 15 a 20kg. E seus atletas são, na maioria, tetraplégicos! Coragem pouca hein? Completar 6km e 10km em cadeiras de rugby! Enfim, os caras mostraram que para jogar rubgy tem que ser mesmo casca grossa.
O tempo passava e a concentração e expectativa aumentavam. Enfim, todos perfilados...
E foi dada a largada! Sabe que foi uma decepção. Não sei por qual motivo, a largada da categoria adaptada não é feita com um sinal sonoro como da categoria principal. Um ilustre senhor fez um sinal com o braço... e largamos! Simples assim.
Rapidamente os homens cadeirantes distanciaram-se. Os atletas de rugby ficaram presos na linha de largada, que tinha um desnível. Eu fui acelerando pouco a pouco e logo alcancei as mulheres e alguns homens, mas o pelotão de frente já estava "inalcançável", ou seja, longe mesmo!
O percurso da Corrida de Reis é mais ou menos assim: 600 metros de subida, 100 metros plano, descida, descida, descida, descida... até quase os 6km de prova! E então, subida, até o final.
Creio que a organização da prova nunca fez esse percurso sobre rodas. Na descida, o atleta poderia até deixar na "banguela". Fiz força e alcancei a velocidade de quase 60km/h em alguns trechos. Na subida... bem, na subida não existia a chance de parar de pedalar por um segundo para descansar os braços. Claro que eu não sou altamente treinado e capacitado para fazer força com os braços, mas acredito que um percurso com trechos mais planos ou alternando entre subidas e descidas seria mais desafiador de modo geral. Enfim, minha leiga opinião!
Altamente positivo no percurso dessa prova, assim como de várias outras em Brasília, são os monumentos e a beleza da cidade.
Ao aproximar-me da linha de chegada, um grande público esperava os atletas. Claro que ninguém sequer imaginava que eu não seria deficiente. E minha passagem causava uma grande comoção nas pessoas. Inicialmente aquela situação mexeu comigo, como se eu fosse uma fraude! Mas diante da força que eu fazia e da tremenda dificuldade em completar a prova, tomei aqueles gritos de incentivo e aplausos de reconhecimento para mim, não pela "pena" de ser um provável deficiente, mas pela certeza de estar concluindo um desafio proposto. E pronto! Como deve ser com qualquer um e com todos de nós.
Durante quase toda a prova, estive sozinho. Deixei para trás alguns atletas cadeirantes logo no início. E depois não via mais ninguém. Os outros estavam muito na frente. No entanto, já na subida, e próximo ao Teatro Nacional, comecei a me aproximar de mais um cadeirante. Eu todo empolgado com meu desempenho acelerei e ultrapassei... Mas ele tinha um pneu furado e quase não rodava mais. Só por isso passei na frente dele! Tanto que ainda deu tempo pra tirar uma fotinha!
Logo após a subida da Rodoviária fui ultrapassado pelos líderes da categoria Elite. Quase não deu tempo para tirar a foto. Os irmãos gêmeos voavam para ganhar a prova!
E eu rodava, com muito, mas muito esforço, até enfim alcançar a linha de chegada.
Aqui cabe um comentário que não havia feito ainda, apesar de já ter percebido desde o começo uma grande diferença do olhar dos outros.
Tenho um contato próximo com a galera cadeirante e deficiente desde o ano de 2003. Uma queixa constante de mães, crianças, jovens e adultos, é quanto ao olhar da sociedade para com eles. Diziam que percebiam um olhar de pena que os incomodava!
Senti isso desde o começo. Não considero que seja um absurdo e até mesmo compreendo esses olhares. Mas creio que são olhares causados pelo desconhecimento. Mas que realmente também me incomodavam...

Ao final, completei os 10km em 33 minutos. Fiquei em 4º colocado na categoria cadeirante!
E apesar de já ter concluído outras provas de 10km, 21km correndo, confesso que fui mais desafiado em minha condição física ao pedalar com as mãos. Não foi fácil, ao mesmo tempo que foi muito legal competir com uma handbike.
E valeu a medalha...
Ah, a Aline Rocha, faturou mais um título e já afirmou que ano que vem volta para defender sua condição de campeã da Corrida de Reis.
Quem sabe eu volto também... Alguém mais anima?
Belo relato!
ResponderExcluirLou
Obrigado Lou! Fico feliz em você participar por aqui...
Excluirnossa guy vc é muito 10!!!!!!! precisamos de mais gente no mundo como vc abraço tudo de bom!!!!!!!!!
ResponderExcluirGrande Juracy! Não é porque o seu nome tem o y no final que você vai colocar no meu né? kkkkk Tirando a brincadeira, eu agradeço muito suas palavras! Show de bola você estar curtindo e compartilhando. Espero que esse espaço aqui seja fonte de incentivo pra muita gente de todo tipo! Um grande abraço.
ExcluirParabéns pelo relato. Estou compartilhando sua aventura no Facebook.
ResponderExcluirObrigado. Continue acompanhando. E da próxima vez, assina seu nome para sabermos quem é o Panico no Transito. kkk Abs
ExcluirExtremamente detalhista...cheguei sentir o peso do aro na subida..kkk..adoreiii..Eu animo pro ano que vem Gui !!!!
ResponderExcluirAna Aurelia
Aninha! Que legal que você curtiu. Realmente não foi fácil não. O pior foi que ao reler o texto eu ainda achei que não tinha conseguido expressar a dificuldade no final. Mas anima mesmo e vamos correr com a gente por aqui! Beijos
ExcluirÉ Guigo, eu AMEI participar da prova, com certeza ano que vem vou novamente e quero ver você lá também...
ResponderExcluirÉ uma prova difícil mas chegar na linha de chagada e receber o CALOR e CARINHO do povo compensa qualquer esforço.
Gostei muito que você participou por que falar é uma coisa, mas sentir... não tem explicação.